Claudio Sahad, presidente do Sindipeças: “Se fizermos da maneira correta, se existir entendimento e apoio do governo, teremos todas as condições de sermos líderes na questão da descarbonização”

A OTM Editora promoverá no dia 29 de novembro, no Transamérica Expo, o Fórum de Transporte Sustentável. E na preparação para este dia inteiro de apresentações, debates e informações transformadas em conhecimento, fizemos uma série de entrevistas com os principais atores do setor sobre descarbonização

Por Fred Carvalho

Transporte Moderno – A eletrificação representa para a indústria automobilística brasileira uma oportunidade ou ameaça?

Claudio Sahad – Acho que tem um pouco dos dois, na verdade. Vamos lá, quero pedir licença para dar dois passos para trás. A gente sabe que a meta é descarbonização e para atingir a descarbonização existem várias rotas tecnológicas. A primeira posição do Sindipeças é que essas rotas tecnológicas vão coexistir no mundo inteiro.

Transporte Moderno – Ou seja, a eletrificação é parte da descarbonização e não o oposto.

Claudio Sahad –  Não, ela é uma das rotas tecnológicas para atingir a descarbonização. Assim como um veículo de motor a combustão que não emite CO2 ou emite pouco, também está auxiliando a descarbonização.

Transporte Moderno – A União Europeia relaxou um pouco o seu radicalismo nos últimos meses. Já aceita o e-fuel, combustível sintético, mas avisa que vai continuar rígida nos controles das emissões.

Claudio Sahad – Éum combustível que gera partículas, mas não gera CO2.

Transporte Moderno – Pela pressão da Alemanha, que até então estava quieta.

Claudio Sahad – Eles abriram essa exceção. Eles reconheceram que a Porsche começou o desenvolvimento do e-fuel e que construiu uma planta de produção do e-fuel no Chile, em parceria com a Siemens. A escolha do Chile foi estratégica pois a produção deste combustível demanda muita energia elétrica e a região onde a unidade foi instalada é ótima para a energia eólica. A Porsche quer preservar o motor a combustão, mas busca um combustível mais adequado para tempos de reduções fortes de emissões. Eles possuem modelos elétricos, mas sabem que o aficionado da marca ama o ronco do motor, a característica do engenho a combustão.

Transporte Moderno –   Tanto que tem muita gente que compra o Porsche evita, em muitos casos, a transmissão automática. Ele quer o mecânico.  Ele quer dirigir sem interferências. Afinal é um carro esportivo.

Claudio Sahad – Sim, o cara não quer um Porsche automático. Eles até fizeram um Porsche elétrico, mas não é a mesma coisa. Se a gente quer continuar com o motor a combustão, com este ronco, com este charme que é o core business do veículo, é a principal atratividade, nós precisamos ter um combustível que não emita CO2, e começaram a desenvolver isso. Já estavam pensando nisso há anos. Inclusive, o veículo a combustão é uma das rotas tecnológicas para se atender a descarbonização. Mas entendemos que estas várias rotas tecnológicas vão coexistir no mundo inteiro e elas vão ser aplicadas com maior ou menor intensidade em cada região, conforme os recursos e as vantagens competitivas que existem naquela região. Então, se eu não usar o que de melhor tem naquela região para que aquela rota tecnológica que for predominar ali, possa atender o objetivo maior da descarbonização só que com bom senso, aproveitando as tuas forças e não querendo inventar a roda. Muitos países foram obrigados a ir para a eletrificação, porque não tinham outra opção.

Transporte Moderno – Devido ao Dieselgate que gerou o problema, estava tudo próximo.

Claudio Sahad – Os caras não tinham outra opção. Agora no Brasil, nós temos que lembrar, a nossa maior vantagem competitiva e eu não digo para indústria automotiva, mas para a indústria de transformação como um todo. Nossa vantagem competitiva é a nossa matriz energética diversificada, nós podemos produzir energia limpa aqui no Brasil através de um leque de opções que ninguém no mundo tem igual.

Transporte Moderno – 86% da matriz é limpa.

Claudio Sahad – E pode ser 100% a qualquer momento, porque primeiro, nós temos sol o ano inteiro, no inverno e no verão e nos outros países não. Temos vento numa condição que é muito favorável, o nosso vento vem do mar para costa, pra terra e ele é permanente. Podemos captar energia eólica aqui onshore, coisa que na Europa eles tem que captar offshore, colocar as hélices no mar, e a manutenção disso é caríssima. Aqui nós podemos fazer também offshore, fazer muito onshore que barateia. A grande vantagem é que lá eles têm um vento que não vem numa direção só, vem de várias direções e é difícil de captar. Aqui é tudo do mar para terra.

Transporte Moderno – E Natal, por exemplo, o vento forte dificilmente reduz. É característica da região.

Claudio Sahad – ORio Grande do Sul é a mesma coisa. E nós temos uma vantagem quando se fala em energia eólica, pois temos este vento unidirecional e numa extensão territorial que ninguém tem. Então, eu já falei do sol o ano inteiro, falamos em vento, nós temos rios em abundância com queda d’água coisa que a Europa não tem, os rios lá tem pouco volume de água. A Europa não produz energia hidrelétrica não é porque eles não querem, é porque não pode, não tem. Além dessas três coisas que são as principais, temos os biocombustíveis, muitos deles que desenvolvemos aqui com a tecnologia 100% nacional. E nós temos o etanol que é o principal deles. Digo sem medo de errar: se a Alemanha produzisse etanol da cana-de-açúcar o mundo todo falaria em carro flex. Nós já produzimos mais de 40 milhões de veículos flex no Brasil.

Transporte Moderno – E usamos mal, pois segundo Besaliel Botelho – ex-presidente da Bosch – temos de incentivar quem tem flex a utilizar o etanol. Se o preço for vantajoso resolvemos nossos problemas de descarbonização.

Claudio Sahad – Este é o ponto. Completamos 20 anos do motor flex. Se comparar o motor de 2003 e o de hoje é outra coisa. Evoluiu muito e ainda existem melhorias possíveis. 

Transporte Moderno – E tudo desenvolvido aqui no Brasil. Apesar de sermos filiais de grandes multinacionais, fizemos nosso papel, desenvolveu o carro a etanol, depois desenvolvemos o flex e chegamos ao turbo em motores flex.  

Claudio Sahad – Aquilo que tinha de bom no veículo a combustão, gasolina, trouxemos para o flex, porque o motor turbo foi uma revolução na indústria automotiva.

Transporte Moderno – A indústria fez sua parte, desenvolveu a tecnologia. Mas ainda temos problemas com os produtores do etanol ainda seduzidos pelas eventuais altas do açúcar. Além da demora na implantação dos necessários aumentos de produtividade e a solução para o percentual de água no etanol.

Claudio Sahad – Temos conversas com a Única no sentido de explicar nossa briga com o governo na busca de uma matriz energética automotiva baseada no etanol e de repente o preço do açúcar fica mais interessante lá fora. O usineiro reduz a produção de etanol e vai produzir açúcar e larga na mão. Eles garantem que isto é uma história antiga. Que isto mudou. E atualmente existe um mínimo estabelecido de produção de etanol independente do preço do açúcar no mercado internacional e eles estão cumprindo o combinado. Quanto ao aumento da produção para atender aumentos de consumo eles garantes que se tiverem de dobrar, triplicar a produção eles garantem que dão conta.

Transporte Moderno – Mas você acha que se eles forem puxados eles vêm?

Claudio Sahad – Nós estivemos no Centro Tecnológico da Cana (CTC) em Piracicaba, que é dirigido, tem um conselho, mas a Única está na direção. Eles estão desenvolvendo muitas tecnologias para melhorar as matrizes da planta da cana, a primeira coisa é essa. Eles fazem isso através de cruza aqui no Brasil.  Eles abriram um centro nos Estados Unidos, em Saint Louis, para poder também começar a trabalhar com melhorias genéticas. A cana é produzida em poucos países, principalmente em países não desenvolvidos, mas em desenvolvimento, os principais players de cana-de-açúcar no mundo são Brasil, Índia e alguns países da América Central.

E daí o que acontece? Como são poucos países em desenvolvimento que produzem cana-de-açúcar, independente de falar em etanol ou açúcar, a cana-de-açúcar sempre teve um tratamento abaixo do ponto de vista de melhorias, de matrizes, de melhoria genética, porque era feito em poucos lugares, era plantada em poucos lugares. Por exemplo, todas aquelas melhorias que eles fizeram para soja, milho, soja transgênica, uma Monsanto da vida não se interessa pela cana-de-açúcar, porque não tem essa distribuição ao longo do mundo como tem esses outros. Assim, a cana andou atrás por exemplo, esses cereais, do ponto de vista de melhoria e até por isso foi criado esse centro tecnológico, para poder fazer isso, porque não tinha muitos centros privados trabalhando nisso. E eles viam esta necessidade por causa justamente dessa preocupação com produtividade da lavoura de cana, independente de açúcar ou etanol.

Aquilo que eles falavam: porque a lavoura, quando você vai olhar é aquele conceito do poço à roda, lá na lavoura já tá emitindo CO2, porque eles queimam depois, isso não existe mais. Isso já é uma prática, estão recolhendo aquilo para levar para usina, para transformar em eletricidade, em energia elétrica. Então mudou muito. Não fica lá, eles deixam um pouquinho lá, porque ajuda a fazer aquela fermentação da terra para poder gerar e fazer o replantio.

Transporte Moderno – Quais serão as nossas rotas tecnológicas?

Claudio Sahad – O Brasil tem uma matriz energética invejável. Nós podemos produzir energia limpa através de um leque de opções e que pode ser um pouco de cada uma e vai ser um pouco de cada uma, a energia hidrelétrica vai continuar predominante no Brasil, mas vai crescer muito a eólica e a solar, e junto com isso, nós vamos desenvolver os biocombustíveis e o etanol. Então nós temos isso aqui, é uma inveja pro mundo inteiro. Eles não têm essas opções lá. Mas então essa matriz energética, vai ser uma vantagem competitiva para indústria de transformação como um todo, não é só pra automotiva, é como um todo. Você pode baratear o custo de produção da indústria absurdamente e principalmente se a gente for começar a usar de fato o gás que nós temos e não usamos. Dito isso, voltando pro etanol, o Brasil cometeu um erro terrível que foi o seguinte: nós botamos o ovo, mas não cacarejamos. Devíamos ter cacarejado naquela época, há 20 anos. E aí ninguém ficou conhecendo isso.

Transporte Moderno – O Sindipeças tentou. Em uma edição da Automekanica em Frankfurt. E o táxi do aeroporto de lá, Mercedes-Benz, tinha um texto no adesivo colado na carroçaria onde estava escrito Brazil Excellence in Autoparts. Na entrada do parque de exposições, um grande outdoor repetindo a frase. E uma grande área interna com todos esclarecimentos sobre o etanol, o motor, a produção, tecnologia, etc. O Sindipeças, com apoio da Apex, colocou motor flex, carro flex, toda a tecnologia.

Claudio Sahad – Estamos falando da indústria de autopeças, mas a indústria automotiva, as montadoras deveriam ter feito isso, inclusive porque pra eles é muito mais fácil porque eles têm as matrizes lá fora. Eles podiam fazer a divulgação internamente.  

Transporte Moderno – Eles não contaram, vocês que foram contar.

Claudio Sahad – Nós estamos tendo uma outra oportunidade agora, 20 anos depois, que não podemos deixar passar. Por exemplo, os Estados Unidos é o maior produtor de etanol do mundo, só que ele produz de milho e produz para outras finalidades. Por quê? Porque o carro flex que eles têm lá não aceita qualquer mistura, tem que fazer a mistura do combustível certinha, gasolina e o etanol, para o carro andar. Se você não misturar certinho o carro para, engasga. E aqui você pode botar o quanto você quiser. Quer dizer, nós estamos anos-luz na frente deles, porque nós andamos e eles pararam no tempo, no desenvolvimento. Eles não tiveram vontade política provavelmente porque, capacidade tecnológica a gente sabe que eles têm, mas não vontade política. Mas se eles forem convencidos dessa vantagem de redução de emissão de um carro flex movido a etanol que eles têm lá já, você acha que eles não vão comprar essa ideia?

Transporte Moderno – Não seria o momento adequado para o Sindipeças, a Anfavea, os sindicatos de trabalhadores, iniciarem um trabalho forte para tornar o Brasil o grande produtor mundial de motores a combustão interna para atender aos países sem condições financeiras para adoção dos elétricos e também atender a gigantesca frota mundial de veículos com motores a combustão? Se tivemos a ousadia do Proálcool, da construção da hidroelétrica de Itaipu, não poderíamos usar esta mudança dos países desenvolvidos para criar uma forte oportunidade de negócios?

Claudio Sahad – Esta é uma oportunidade de ouro que aparece uma vez na vida. Isso a gente está tentando mostrar pro governo, do ponto de vista estratégico, a importância deles entenderem isso, porque também vou pedir licença pra dar um passo atrás para podermos analisar a situação de uma forma conjuntural antes da gente conversar sobre isso.

Nós temos hoje uma frota no mundo de 1,5 bilhão de veículos, jogamos no mundo por ano 80 milhões de veículos novos, essa é a produção mundial. Chegou a ser de 100 e caiu para 80. Se você partir da premissa que esses 80 milhões fossem todos elétricos, nós levaríamos mais de 18 anos para substituir essa frota. Como a gente sabe que hoje, os veículos elétricos representam mais ou menos 30% desses 80 milhões, sendo que desses 30%, 20% são feitos na China, você pode falar o seguinte, esses quase 20 anos passam para 40, 45, quase 50 anos para ser substituído. Então, isso já nos mostra de cara que os veículos a combustão interna terão uma vida longa, não tem uma vida curta como se colocava. A gente começa a olhar o seguinte, guarda essa informação, vamos olhar o outro lado.

A legislação na Europa e nos Estados Unidos está vedando a fabricação de veículos de combustão a partir de 2030, 2035. A Alemanha conseguiu essa exceção, mas para e-fuel, combustível sintético, só, os outros não. A China já optou apesar dela ter toda a capacitação para fazer o motor a combustão, ela já deixou claro para o mundo que a opção dela número 1 é carro elétrico, porque ela tem problema de poluição e que na verdade eles estão usando uma solução muito simplista. A China produz ainda energia elétrica através de termelétrica, carvão, mas a situação chegou num ponto tão insustentável de poluição nos grandes centros que querem botar o carro elétrico ali pra tirar a poluição das cidades e levar pra onde eles produzem energia que é no campo, é longe. Pelo menos eles vão conseguir dar uma melhoria de qualidade de vida pro cara que tá no grande centro. Eles não estão acabando com o problema, só transferindo. Então, a China fabrica carro elétrico, mas não está descarbonizando. Ela vai continuar emitindo CO² só que invés de ser no centro vai ser na usina termoelétrica porque não tem essa possibilidade hidroelétrica que nós temos, não têm a mesma condição de sol…

Transporte Moderno – Tanto que China fez a maior do mundo e não consegue produzir mais que Itaipu produz.

Claudio Sahad – Não tem a mesma condição de solo e de vento, ela tem limitação de matriz energética que nós não temos. Se eles tivessem essa possiblidade teriam ido atrás. Mas você considerando que a partir de 2030, 2035, a Europa não vai mais produzir carro com motor a combustão, os Estados Unidos também não…

Transporte Moderno Alemanha, França e Itália fora, Estados Unidos fora.

Claudio Sahad –  Todos os grandes produtores deixarão de produzir motores a combustão A gigantesca frota mundial precisara de reposição, da mesma maneira que os países pobres ou sem as adequadas possibilidades de constituir frotas de elétricos. Agora considerando que nós temos 50 anos mais de motor a combustão no mundo, quem vai produzir isso pro mundo?

Transporte Moderno – O Brasil tem qualidade internacional.

Claudio Sahad – Nós temos três players importantes no mundo que podem fazer isso: Brasil, México e Índia. Qual dos três está mais preparado do ponto de vista de cadeia de fornecimento, de tecnologia de motor, e que ainda tem esse acréscimo do flex que nós não estamos falando. Mas vamos falar só em gasolina, quem é? O Brasil. O Brasil tem uma cadeia muito mais longa que o México, nem se compara à Índia e nós temos a tecnologia de motorização aqui, de engenharia, muito maior aqui do que no México e na Índia.

Então o que nós estamos mostrando para o governo? Esse cavalo encilhado que está passando na nossa frente, nós precisamos para poder montar nele, precisamos ter uma coisa chamada competitividade. Porque na nossa opinião, o nearshore ou friend-shore é muito bonito, mudou a mentalidade, mudou o mindset das cadeias de fornecimentos globais, eles estão privilegiando o cara que tá mais perto, mais amigo. Na verdade, viram o grande erro que fizeram com toda essa globalização que começou no final dos anos 70 e que eles deram pra China de presente toda essa tecnologia, eles deram, não venderam. Não precisava fabricar. O mundo nesses últimos 40 anos com essa globalização deu pra China de graça toda essa tecnologia. Se tivesse vendido já era ruim, mas deu de graça.

Transporte Moderno – É realmente difícil de entender….

Claudio Sahad – Criaram o Frankenstein, e agora o Frankenstein está na rua solto e ninguém segura.

Transporte Moderno – Qual a ideia foi apresentada ao governo federal?

Claudio Sahad – Nós estamos dizendo o seguinte: tem essa oportunidade de ouro, nós temos aqui um puro sangue inglês encilhado passando na nossa frente. Mas pra montar nele nós precisamos ser competitivos. Temos competitividade do muro pra dentro. Já chegamos na indústria 4.0, digitalização, big data, internet das coisas, estamos melhorando o processo, investindo em manufatura, estão fazendo a lição de casa. Mas quando saímos da fábrica, deixamos os muros, surgem entraves que acabam com a competitividade. Alguns exemplos, encargos sociais, aqui no Brasil você contrata um cara por 1.000, mas ele te custa 2.000 no mínimo, porque o encargo social dobra o salário. O funcionário não recebe, mas a empresa paga, sai do seu bolso. Não entra no bolso dele, mas sai do teu. Aí você vai pro México. Lá você contrata o cara por 1.000 e ele custa para empresa 1.300. Se você pegar, só com esse dado, você pega um produto onde a mão de obra representa 50% do custo do produto, só aí você já perdeu a competição. O cara já saiu meia piscina na tua frente. Você pulou da borda e ele tá saindo lá do meio pra chegar no fim entendeu? São custos logísticos, um absurdo o que nós temos no Brasil. Poderíamos explorar nossa costa que vai no Brasil inteiro com navegação de cabotagem a preço barato e muitas empresas competindo.

Transporte Moderno – Temos a BR do Mar, mas ainda não aconteceram as mudanças previstas.

Claudio Sahad – Marco regulatório continuou nas mãos de meia dúzia de gato pingado, fazem o que querem e cobram o que querem e você é obrigado a ir por terra, porque você não pode ir pelo mar, é caro. O cara te bota a faca no pescoço. Estradas, rios que nós não exploramos, custo logístico como um todo. Burocracia fiscal e tributária. Você tem que ter na sua empresa um contingente de pessoas da tua área fiscal e tributária para darem conta de toda essa burocracia, esse emaranhado, que para o nosso competidor lá fora não existe. Alguns anos atrás, quando o Belini ainda era presidente da Fiat, ele nos disse em um jantar que ele tinha na fábrica de Betim cerca de 100 pessoas na área fiscal. Sendo que na matriz dele em Torino, que tem mais ou menos o mesmo porte de Betim, do mesmo tamanho, ele tinha duas pessoas.

Precisa ser um trabalho feito ombro a ombro, indústria com governo e Parlamento. Todos entendendo que isso é bom para o país, isso é uma política industrial que nós estamos tentando mostrar para eles que precisa ser criada. Nós temos Rota 2030 que é um pedacinho de uma política industrial, mas que não podemos chamar de política industrial. O Rota 2030, fala muito da parte de inovação, de ajudar o desenvolvimento da cadeia, negócio dos 2% das importações que vai ser reinvestido para inovação da cadeia, isso é importantíssimo. A gente está até sugerindo pro governo que eles usassem essa métrica, que eles colocassem isso dentro da lei do bem para que toda a indústria pudesse usar.

É cruel, porque o seguinte, às vezes uma empresa fez muitos investimentos em tecnologia, em inovação e por conta disso que ela desembolsou as vezes ela teve um resultado ruim e não teve lucro. E se ela não teve lucro não pode usar aquilo que ela investiu. Você só pode usar com pré-requisito pra você utilizar a Lei do bem é você ter tido lucro no final do mês. E às vezes você não teve lucro justamente porque você gastou nisso, então não te sobrou, não teve um resultado positivo, e você não pode usar porque você não teve lucro. E o pior, você não pode carregar isso pro exercício seguinte. Virou o exercício, tudo aquilo que você investiu, morreu. Você só vai poder usar quando você tiver lucro, se você fizer novos investimentos. Ela é totalmente cruel e injusta. Não sei porque fizeram isso. Quer dizer, eu sei porque. Porque é a ânsia arrecadatória. Eles não estão, no fim, preocupados de fato em desenvolver a indústria, estão preocupados que você não atrapalhe a arrecadação. Então se eles pegassem esse pedaço e jogassem dentro da Lei do bem, ficaria uma coisa mais justa. Outra coisa, a empresa que trabalha, que optou por trabalhar no regime do lucro presumido não pode usar a Lei do Bem, é só lucro real. Por que lucro real? Porque o cara do lucro presumido acaba em tese, se ele tiver o lucro, arrecadando menos pra Receita. No lucro real você acaba pagando. Então tira os caras do lucro presumido. Vou obrigar o cara a ter lucro real para arrecadar mais para nós. A finalidade é sempre a arrecadatória. Não é de melhorar a indústria como um todo. Se pegar essa parte do lote e jogar dentro da Lei do Bem, você melhora para toda a indústria de transformação. Aí quando a gente volta a falar da oportunidade do motor a combustão pro mundo, o Brasil pode ser tornar um hub mundial de produção de motores de veículos a combustão interna pro mundo inteiro.

Você vê, por exemplo, Leste Europeu, riquíssimo em produção de milho. Se você mostra para esses caras que o carro flex realmente tem uma emissão, se ele é abastecido 100% com etanol, um nível de emissão dele é muito parecido com um carro elétrico que roda na Europa, um flex abastecido com etanol. Se eu vou provar isso pra esses caras, você acha que eles não vão se incentivar a pegar uma parte do milho deles e produzir etanol localmente? Você acha que os Estados Unidos não pode ser um potencial cliente da nossa tecnologia flex? Também a Índia, que tem um problema seríssimo de poluição nas cidades. Aliás eles compraram a nossa estruturação do Proálcool, estão fazendo isso lá, estão desviando uma parte da lavoura para fazer o etanol, e se comprometeram que até o final de 2024 toda a gasolina da Índia vai ter 20% de mistura de etanol. Com isso, eles vão conseguir realmente dar uma forte derrubada na emissão de CO² nos grandes centros, que hoje é tudo gasolina e diesel.

Transporte Moderno – A descarbonizacao pode ser a grande oportunidade para a reindustrialização do Brasil?

Claudio Sahad – Temos uma oportunidade de ouro mostrando isso pro governo e acredito muito nisso porque, se a gente conseguir isso, nós vamos conseguir aumentar os nossos volumes, multiplicar por três, às vezes até por quatro, nossos volumes atuais, que vai dobrar tranquilo e pra dobrar nós já temos capacidade instalada, nós já temos investimento feito. Nós temos hoje uma capacidade instalada para 4,5 milhões de veículos, produzindo 2.200, 2.300. Quer dizer, você consegue dobrar isso aí sem investimento, nós estamos mostrando isso pro governo também. Com esse aumento de volume, nós sempre reclamamos que o problema do Brasil era volume, há quanto tempo você não ouve essa conversa? A gente consegue aumentar o volume, consegue ficar mais competitivo ainda e aí entramos num círculo virtuoso e esse resultado que vai trazer pra toda a cadeia desse aumento de volume e dessa competitividade, ele vai nos permitir que possamos investir na tecnologia do elétrico, que é a perene que vai ficar, é o hidrogênio, a célula de combustível com hidrogênio.

Transporte Moderno – Você não faria uma aposta da produção local de bateria, mas sim a produção de tecnologia e equipamentos para os veículos fuel cell.

Claudio Sahad – Até a bateria você vai usar lá também.

Transporte Moderno – Mas nós não precisamos produzir aqui ou importamos da China?

Claudio Sahad – Podemos produzir aqui, mas não preocupados com essa tecnologia do plug-in. Porque isso na minha cabeça é efêmera, isso vai ter começo, meio e fim. O que vai ficar mesmo vai ser aquilo. Ninguém quer um carro elétrico sem autonomia. Você vê que, por exemplo, eles falavam que esse carro tem 400 km de autonomia. Mudou a legislação do Inmetro, eles foram obrigados a se adequar, se adequando lá, você viu pra quanto caiu? O carro que falavam que fazia 400 caiu para 250. Num país como Brasil, 250 você não vai até ali, às vezes você até vai, mas não sabe se volta. Se vai ter onde carregar lá pra você voltar.

Transporte Moderno – A posição do Besaliel Botelho é interessante, pois apesar do elétrico ser fantástico, falta disponibilidade integral para o proprietário.

Claudio Sahad – Além do preço, tem a dificuldade de aguardar horas para recarga. A gente tem essa oportunidade, a gente precisa ter essa competitividade para começar a montar esse cavalo encilhado aí e tem que ser rápido, porque eu falei isso para o Geraldo Alckmin falei “Olha, a Índia e o México estão de olho nisso, eles estão trabalhando internamente para fazer isso. Se a gente não pular na frente, não tiver essa competitividade para atrair, para fazer com que as empresas da Alemanha, França e Estados Unidos transfiram para cá a fabricação dos motores.

Transporte Moderno – Precisamos ser competitivos e ágeis para convencer que somos a melhor solução….

Claudio Sahad – Eles têm que ver pra onde eles vão transferir. E o meu grande medo é o seguinte: você vê que até agora por conta da competitividade as grandes oportunidades que já surgiram até agora de nearshore, foram todas para o México, não vieram para o Brasil. Você acha que é coincidência isso? Tudo bem, o México tem essa grande vantagem da localização, o quintal do Estados Unidos, além da carga tributária 18% e no Brasil é de 36%. O México tem facilidade em fazer negócio, não é uma maravilha, mas no ranking mundial ele está na posição 80 entre 180 países e o Brasil está na posição 130. Nós temos só 50 atrás de nós e você sabe quem são, né? Países muito pobres, a maioria da África. Então, essas coisas fazem com que a opção seja o México e não o Brasil, nós precisamos mudar. A gente precisa ter essa visão, eu entendo que tem que ter de fato uma política, não é de governo, é de estado, porque muda o governo e continua, em prol da indústria pra gente poder virar isso.

Eu falei para o Alckmin: “Vocês são um governo que se diz preocupado com a minoria do bem estar social, se vocês estão preocupados com isso, nada mais inteligente do que vocês investirem na indústria, porque a indústria que dá o emprego de qualidade, a indústria que dá condição de qualificação para o trabalhador, para o empregado, ele se qualifica mais quando trabalha na indústria.” Um governo que se diz preocupado com o bem estar social, ele tem que investir na indústria. E a gente tem que ver o seguinte: a indústria ano a ano vem perdendo representatividade no PIB. Falei pra ele que existe um estudo que mostra que cada real gerado pela indústria repercute na economia em cerca de quase R$ 3,00. Cada real gerado no agronegócio ou no setor de serviços, repercute na economia em menos de R$1,50. Entendeu? A indústria tem cadeias longas, então ela movimenta muito mais gente, vocês têm que investir na indústria.

Você vê que nos últimos anos, o agribusiness vem se multiplicando de tamanho e isso não é refletido no PIB, o nosso PIB não cresce na mesma proporção que cresce o agribusiness. Por que isso? Porque quem faz o PIB crescer é a indústria, não é o agribusiness. Mas acho que hoje essa ficha já está caindo pra eles, porque você vê que hoje a palavra do momento na boca do governo é a reindustrialização, todos eles estão falando. Mas como eles não têm plano, não sabem por onde começar, eles precisam da nossa ajuda. Se a gente não der ajuda, aí que não vai sair mesmo. Eu falei, a gente corre o risco de fazer todas as propostas e isso não dar em nada, mas a gente também corre o risco deles ouvirem e acontecer. Agora, nós vamos deixar de propor se nós temos essa oportunidade? Então o motor a combustão é isso, acho que está muito claro e faz muito sentido, é uma ideia que tem começo, meio e fim. Você ter esse dinheiro depois porque vai sobrar para as empresas investirem na tecnologia de ponta que é esta, acho que faz todo sentido. Porque essa tecnologia aqui do carro elétrico plug-in, nós nunca vamos ser líderes nela, ela já foi desenvolvida lá fora, no máximo nós vamos ser seguidores. Aqui nós temos condições de sermos líderes.

Transporte Moderno – Como a descarbonização, nós somos líderes mundiais.

Claudio Sahad – E ninguém fala nisso.

Transporte Moderno – Em evento da SAE, no final do ano passado, Besaliel Botelho em resposta a um jornalista explicou, com toda sua didática: “não estamos atrasados com o carro elétrico. O acordo fechado em Paris se chama descarbonização. Em descarbonização nós não somos os últimos, somos os primeiros no mundo. Há 40 anos, nós lançamos um programa revolucionário chamado Proálcool. Depois criamos o flex. Só o Brasil teve coragem de fazer isto. E também construímos uma incrível rede de hidroelétricas que nos permite, somadas com a produção de energia solar e eólica temos 86% da nossa energia elétrica absolutamente limpa e renovável. Estamos na frente da Alemanha, Inglaterra, China, Estados Unidos, estamos na frente de todo mundo. Não estamos atrasados, mas sim adiantados. O que que falta? Consolidar a imagem do que a gente está fazendo e criar um projeto novo que permita a gente utilizar todas as coisas que estão embaixo da descarbonização, eletrificação, biocombustível, gás, biogás, todos os tipos. Nós temos vários tipos de combustíveis, e inúmeras alternativas”

Claudio Sahad – Teremos a coexistência de várias rotas. Existe um público para o carro elétrico que anda na cidade, 20, 30 km por dia, pra esse cara o carro elétrico é ótimo, porque ele vai pegar o carro de manhã e a capacidade de autonomia do carro dele dá para semana inteira. Então para esse cara o carro elétrico vai ser uma boa, perfeito. Para fazer entregas nas cidades, por exemplo, teremos os utilitários, as vans, os furgões, os caminhões pequenos elétricos. E caminhões a gás nas estradas. Ou utilização de biodiesel. O que não faltam são alternativas.Qual vai ser a dominante? Aí entra a montadora inteligente, eles estão fazendo investimento em todas as rotas em todo mundo. Mas no Brasil estão olhando com grande carinho o híbrido flex? Porque ele sabe que aqui as rotas vão ser utilizadas em maior ou menor escala, mas aqui um híbrido flex faz muito mais sentido do que um elétrico.

Retornando à primeira pergunta, se o elétrico é uma oportunidade ou ameaça, eu acho que nenhum e nem outro. Talvez oportunidade no contraponto de mostrar, tentar fazer subir à superfície, aflorar as nossas vantagens. Quando você vem confrontando com uma outra tecnologia, você pensa “Peraí, eu tenho isso aqui que me traz resultado melhor com um custo muito menor”. Então, talvez aí ele seja uma oportunidade de mostrar isso para nós. Ameaça acho que não vai ser, porque primeiro, para você importar, o próprio governo já está vendo isso, eles vão ter cotas, não podem importar isso indiscriminadamente. E aquele negócio de você importar com isenção de imposto já viram que foi uma burrice sem tamanho. E faz todo sentido, é muito mais barato, emite menos, muito menos CO2 e você consegue aplicar neste tipo de modal. Algumas aplicações que você pode usar inclusive também em elétricos e caminhões, não só em utilitários, mas também em caminhões conforme rodam e vai ter espaço pra todo mundo.

Agora eu acho que dentro da linha de leves, eu acho que a nossa maior vantagem competitiva é no híbrido flex.  Agora nós temos que olhar, porque isso aqui vai acontecer em 15, 20 anos. Não é pra amanhã. Mas se a gente não começar a trabalhar nisso agora, daqui 15, 20 anos nós vamos estar fora. Na área dos elétricos não vamos liderar. Então vamos esquecer os plug in. Mas podemos nos destacar, e muito, na energia limpa, como produção de hidrogênio verde. Se fizermos da maneira correta, se existir o entendimento e apoio do governo, teremos todas as condições de sermos líderes na questão da descarbonização. E seremos também líderes no fornecimento de motores a combustão e componentes para todo o mundo.

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